Nasci em uma família muito pobre e extremamente humilde.
Sempre moramos na mesma comunidade no extremo leste da cidade de São Paulo, onde meus pais há muito tempo haviam conseguido um pequeno espaço e montaram um barraco tão pequeno que seis pessoas dentro, precisavam dormir amontoados.
Eles dormiam em um colchão improvisado no chão de terra batida de um lado e eu, com meus três irmãos, dormíamos do outro lado em um sofá muito velho.
Era uma vida de muita miséria, a qual muitos dias não tínhamos nem o que comer, mas nós, ainda crianças, nos divertíamos muito.
Eu desde pequeno demonstrei ter um talento diferente para jogar futebol e está era a minha melhor maneira de brincar.
Tudo para mim, parecia uma bola.
Fui crescendo e na escola me destacando como um garoto promissor, com tanto talento que encantava os alunos mais velhos e os professores.
Meus pais ao perceberem isso, criaram muita expectativa de que eu fosse o filho que, com talento e esforço, tiraria todos daquela vida miserável.
Digo miserável porque era uma vida muito difícil, dependendo sempre da doação e ajuda de pessoas conhecidas ou não que se dispunham a fazer alguma coisa pela gente, mas uma vida digna.
Meu pai era servente de pedreiro, não tinha vícios e trabalhava demais, já minha mãe sabia fazer de tudo um pouco, faxina quando aparecia uma oportunidade, unha das mulheres da comunidade e até cabelo das que não tinham condições de ir ao cabelereiro, ela fazia.
Ganhavam pouco e não era sempre que tinham oportunidade para trabalhar.
Meus irmãos mais jovens, só queriam saber de comer, brincar e dormir.
Eu como já tinha mais de 10 anos, estava criando consciência e senso de responsabilidade. Sabia que precisava ser alguém na vida para auxiliar meus pais e mudar a vida da minha família.
O tempo foi passando e aos quinze anos sofremos uma grande perda, meu pai faleceu em um acidente que sofreu enquanto estava trabalhando como servente em uma obra.
Foi terrível para todos nós essa perda.
Sofremos tanto, pois ele era um grande homem, que mesmo enfrentando tantas dificuldades, jamais se deixou levar por vícios ou criminalidade.
Ele era muito apegado a fé em Deus e como bom evangélico, vivia pregando a palavra em casa e por onde passava. O apelido dele na comunidade era crente.
Minha mãe ficou desesperada, pois meu pai a auxiliava em tudo, nos criando e incentivando a manter a gente no bom caminho, sempre com uma boa orientação ou ensinamento do cristo.
Com o passar dos dias, minha mãe foi murchando e ficando cada dia pior. Ficou muito depressiva e não via saída para seu sofrimento.
Ela ficou sozinha com quatro filhos pequenos para criar, sendo que eu, o mais velho, estava para completar dezesseis anos.
Não aguentando mais viver sem meu pai e vendo seus filhos passarem ainda mais dificuldades, se apegou ao vício da bebida e deixou de ser a mulher que era enquanto vivia com meu pai.
Eu, ainda muito jovem, mas sentindo a responsabilidade de cuidar de todos, tentei fazer muitas coisas para conseguir dinheiro. Vendi balas no farol, limpei para-brisas, comecei a reciclar latinhas e papelão, mas o que eu ganhava com isso, não resolvia o problema, passava mais tempo fora de casa tentando ganhar dinheiro do que dentro dela e todas as vezes que eu voltava para casa, minha mãe estava bêbada, dormindo no antigo colchão improvisado.
Não aguentava mais aquela situação, pois além da minha mãe estar se matando com o álcool, eu não tinha mais meu pai para me socorrer, orientar e amparar.
Até para escola eu deixei de ir e nem bola jogava mais. Não tinha tempo e nem cabeça para isso.
Minha família ficou destruída após a morte do meu pai.
Todas as vezes que eu passava pela comunidade, indo e voltando, nas minhas tentativas de ganhar dinheiro de forma honesta, via meus colegas da escola, sempre felizes, brincando, bebendo, se divertindo e bem arrumados.
Eu mais parecia um trapo humano, muito magro e andando somente com roupas usadas e esfarrapadas.
Ficava muito triste e envergonhado.
Até que um dia, um rapaz que já me conhecia da escola, sabia minha história e tudo que eu vinha passando, decidiu vir falar comigo.
Me disse que tinha conhecimento de tudo e que gostaria de me ajudar.
No início da conversa, eu já percebi para que rumo ele levaria o assunto, mas sentindo a necessidade de fazer algo diferente, permiti que ele me falasse tudo.
A proposta se tratava, inicialmente, de fazer aviãozinho, ou seja, levar drogas para abastecer as biqueiras e outras comunidades próximas, pois era exatamente o que ele fazia para viver e estava se dando muito bem.
Morava na mesma comunidade que eu, mas tinha roupas caras, tênis modernos, celular de última geração e até moto, com apenas dezesseis anos.
Eu sabia que era errado, pois meu pai sempre fez questão de nos alertar contra as tais investidas do mal, as portas largas que nos levam a perdição, mas eu não tinha mais meu pai, minha mãe estava parecendo uma morta viva e meus irmãos mais novos passando fome e sofrendo demais.
Aquela pareceu a melhor oportunidade para o momento.
Agarrei com muita coragem, sabendo que mesmo fazendo errado, poderia mudar nossa vida.
Minha mãe jamais poderia descobrir, ela ficaria louca e era capaz de me dar uma surra.
Iniciei o trabalho no dia seguinte e ganhava pela quantidade de drogas que eu conseguia entregar.
O pessoal que comandava o trafico na minha redondeza era muito barra pesada e no início, até para que eu demonstrasse ser confiável, pediam poucas saídas, ou seja, poucas entregas e em quantidades pequenas.
Conforme eu fui fazendo tudo muito rápido e sem chamar atenção dos policias que rondavam nossa comunidade, fui ganhando a confiança deles e perdendo o medo.
Nessa fase, minha família já não passava mais fome e tudo que eu ganhava era para o sustento deles.
Minha mãe nem dava conta, achava que estávamos recebendo doações enquanto ela mais vivia embriagada do que sóbria.
Passando-se alguns meses eu já fazia várias entregas e algumas grandes.
Eu passava despercebido pelos policiais, porque não tinha medo e andava maltrapilho, não havia ainda despertado em mim o desejo de me vestir como meus colegas que faziam a mesma coisa.
O tempo foi passando e quando percebi, já tinha completado dezoito anos. Já fazia quase dois anos que eu estava fazendo os tais aviõezinhos.
Que negócio lucrativo! A única coisa que eu tinha que fazer era transportar drogas de um lugar para outro, assim os responsáveis não eram pegos com drogas e eu não tinha que fazer investimento nenhum e muito menos administrar qualquer negócio.
Sempre fui muito bem remunerado para o trabalho e não estaria ganhando um terço disso trabalhando de forma honesta.
Com o sucesso das vendas, aumento do consumo e consequentemente das minhas entregas, começou a me sobrar dinheiro e eu acabei comprando um barraco maior, que parecia uma casa, pois era de alvenaria, tinha porta, janelas e o chão era piso frio.
Minha mãe, em um dos seus momentos de lucidez, ficou muito feliz, mas não entendia ou se fazia de desentendida, quando o assunto era de onde estava vindo o dinheiro.
Ela estava totalmente entregue ao álcool e meus irmãos que já não eram mais tão jovens, eu tentava manter na linha reta e não permitia que abandonassem os estudos.
Até eles já andavam bem arrumados, nada de luxo, mas muito melhor do que há dois anos atras.
Após ter comprado a casa e mobiliado com o necessário, passei a investir um pouco em mim.
Nunca fui de usar drogas ou consumir álcool, mas todas as vezes que eu ia até o mercado comprar o que precisava, comprava para mim e meus irmãos, tudo aquilo que tínhamos vontade de consumir. Deixava até eles escolherem algumas coisinhas e isso me fazia muito feliz.
Além disso, comecei aos poucos, comprar roupas, tênis, bonés e tudo que um garoto na minha idade gosta de ter. Em pouco tempo já me vestia exatamente igual aos meus colegas.
Comprei também uma moto usada e passei a chamar a atenção das meninas da minha comunidade.
Tanta atenção das pessoas que, naturalmente, despertou uma certa desconfiança dos policiais que nunca haviam me notado.
Fui abordado a primeira vez, mas não carregava nada que pudesse me incriminar e logo após a primeira abordagem, os chefes do tráfico me chamaram para uma conversa.
Me disseram que eu estava indo muito bem, sem chamar a atenção de ninguém, mas que agora eu estava visado e precisava tomar o dobro de cuidado. Aproveitaram a oportunidade para enfatizar que se eu um dia eu fosse pego, não poderia abrir o bico ou entregar ninguém.
Eu já sábia dessa regra, mas fizeram questão de relembrar em um tom bem ameaçador.
Mas, infelizmente, o recado não surtiu efeito e eu fui novamente abordado pelos policiais, mas agora, com cinco quilos de farinha e três tijolos de maconha na mochila, eu não havia feito nem a primeira entrega ainda, estava carregado de drogas.
Os policiais que me prenderam quiseram fazer um acordo comigo, dizendo que se eu entregasse os chefes, ficaria livre e não me fichariam na polícia.
Claro que eu não aceitei, pois sabia que se fizesse, eles me matariam.
Fui preso e ninguém jamais apareceu para me defender, nem minha mãe para me visitar.
Fui enviado para um presídio no interior de São Paulo, para cumprir minha pena e sairia em poucos anos se tivesse um bom comportamento.
Dentro do presídio eu fui muito assediado por diversas pessoas, para que denunciasse os chefes e dissesse onde eles refinavam as drogas, apanhei bastante, sofri torturas de vários tipos, mas jamais entreguei qualquer que seja.
O problema é que do lado de fora, os chefes não acreditavam que eu fosse ficar com o bico calado e para não ter que mudar toda a operação que vinha dando certo há tantos anos, mandaram me apagar dentro do presídio.
Por este motivo, um dia, por volta das dez horas da noite, deitei para dormir e fui assassinado cruelmente.
Enquanto eu estava dormindo, dois homens entraram na minha cela, tamparam meu rosto com um travesseiro para que eu não gritasse e cortaram a minha garganta, eu sufoquei, engasguei com meu próprio sangue e desencarnei desta forma aos 19 anos .
Quando despertei, percebi que estava em uma cama, dentro de um quarto que parecia ser de um hospital, mas não um hospital como o que eu conhecia, um lugar diferente, claro, limpo e muito bonito.
Com um cheiro gostoso e muita claridade por conta dos raios de sol que adentravam o recinto pela janela.
Fui acostumando meus olhos e minha mente, pois tudo ali era muito diferente e mais vibrante do que qualquer coisa que eu já havia visto.
Para minha surpresa, sentado ao meu lado e observando minhas reações, estava meu, até então, falecido pai. Vivo!
Que susto eu tomei e ao mesmo tempo que alegria eu senti, não tenho palavras para explicar minha reação e sensação ante tudo aquilo que me causava uma enorme e maravilhosa surpresa.
Neste momento, percebendo meu espanto e na intenção de não permitir que eu me desesperasse, meu pai foi logo dizendo:
"Meu filho, quanto tempo desde a última vez que nos vimos, senti tantas saudades de todos vocês e venho acompanhando a trajetória terrena de todos, sem poder fazer muita coisa, além de orar muito a Deus, rogando para que pudesse fazer o melhor e cuidar de vocês."
Neste instante eu senti uma enorme vontade de chorar, mas não tinha certeza se era de alegria por estar novamente com meu pai que sempre amei ou de tristeza por saber que minha vida na terra havia chegado ao fim.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa e talvez após ouvir ou ler meus pensamentos, meu pai se levantou para me dar um abraço e dizer:
“Meu filho não sinta culpa de nada e muito menos remorso ou raiva pelo que tenha vivido ou te acontecido, tudo estava previsto, embora você tivesse a oportunidade de fazer diferente, nasceu com um dom natural, amava jogar futebol, mas as circunstâncias impostas pela vida e por suas próprias escolhas, o fizeram tomar decisões erradas e escolher viver o que parecia ser mais fácil, mas isso é comum e muitos infelizes tomam as mesmas atitudes ante às dificuldades que precisam enfrentar.
O que importa é que você retornou à pátria espiritual para um novo ciclo de estudos, orientações e ensinamentos para que se prepare para uma nova oportunidade que em breve, diante do seu preparo e merecimento, irá surgir. Aproveite a oportunidade e se prepare melhor para uma próxima vez. Todos nós erramos e carregamos na consciência culpa, pesos e débitos passados que precisam ser quitados e quando passamos por dificuldades e realizamos escolhas que nos levam ao fracasso aprendemos que não são os melhores caminhos.
O mais fácil, nunca é o mais vantajoso. Nada é fácil durante nossa vida material e todo progresso, seja material ou espiritual, ensejam muito esforço, preparo e coragem para seguir em frente, mesmo quando parece que será muito difícil realizar. Essas são as melhores e mais valorosas realizações, jamais se esqueça disso e busque o aprendizado necessário para que se fortaleça, justamente onde se considera mais fraco e vulnerável, desta vez, aqui no plano espiritual, só nos apartaremos novamente quando você estiver apto a retornar, enquanto isso, ficarei ao seu lado e te auxiliarei em tudo que for necessário. Eu te amo e sempre vou te amar meu filho”.
Assim, mais confiante e com o amparo de quem foi meu pai na última encarnação, passei a estudar e me preparar para uma próxima vida. Minha mãe na terra, se vendo novamente desamparada e na intenção de cuidar dos mais novos, já que não tinha mais quem o fizesse, graças ao nosso Pai Maior que ouviu nossas súplicas, criou forças e voltou para igreja, meus irmãos já muito bem encaminhados pelo meu pai e por mim, tinha um futuro muito promissor e nós do plano espiritual faríamos de tudo ao nosso alcance para que eles continuassem seguindo o caminho do bem.
Por fim, agradeço imensamente a oportunidade de contar, mesmo que resumidamente, minha história, e, espero que os que se encontram na mesma situação que eu vivi, possam repensar suas escolhas e buscar o caminho da porta estreita, pois somente ela nos leva a salvação.
NAVEGANTES DA ESPIRITUALIDADE - RELATO ESPIRITUAL
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