Eu tive uma vida dura. Uma criação enérgica e extremamente rígida. Meu pai era um homem muito duro, nascido e criado no interior de São Paulo por pais que o educaram de maneira seca e austera.
Ele era um homem bom: trabalhador, respeitoso e educado. Não tinha muita instrução, mas também não tinha vícios. A vida dele era trabalhar, colocar comida na mesa, pagar as contas e sustentar a família com o pouco que ganhava.
Mesmo vivendo uma vida simples e limitada materialmente, era um homem de fé e grato a Deus.
Permaneceu casado com minha mãe por mais de 40 anos e teve três filhas: eu, Larissa e Otávia. Três meninas com pensamentos e personalidades completamente diferentes. Larissa, a mais velha, tranquila e responsável. Eu, a do meio, cheia de planos e sonhos, até meio rebelde, sempre quis mudar de vida a qualquer custo. E Otávia, a mais nova, dependente e frágil emocionalmente.
Nós três, apesar das diferenças, nos dávamos bem. Junto com minha mãe, cuidávamos umas das outras. Meu pai, mesmo sendo pai de três meninas, não amolecia na criação e educação. Era exigente e não aceitava que nos comportássemos como as meninas da nossa época. Ele dizia que a juventude estava se perdendo.
Eu não aceitava isso de jeito nenhum. Queria ser como minhas amigas, usar maquiagem, roupas curtas e ter muitos amigos. Isso deixava meu pai furioso, mas eu não me importava; fazia tudo o que queria, contra a vontade dele. Em várias ocasiões, ele me bateu e colocou de castigo. Não era violência para me machucar ou deixar marcas, mas sua forma de impor respeito e me colocar no que ele achava ser o caminho certo.
Cresci assim, sempre em pé de guerra com ele. Minha mãe tentava me orientar, mas eu não dava ouvidos. Na minha adolescência, nossa relação se tornou ainda mais turbulenta. Eu me achava responsável e livre de vícios, acreditando que ele era apenas teimoso e inflexível. Enquanto minhas irmãs faziam exatamente o que ele mandava, eu contestava. Isso me deixava revoltada.
À medida que o tempo passava, nossa relação foi se deteriorando. Ele dizia coisas duras para mim, e eu respondia de forma ainda mais ríspida. Não demorou para que eu parasse de apanhar, mas o respeito que ele esperava de mim já havia se perdido. Eu saía de casa a hora que queria e voltava quando bem entendia. Sentia-me sufocada e ansiava pelo dia em que seria independente e deixaria aquela casa para viver a minha vida.
Foi esse desejo que me tornou tão batalhadora. Embora tivesse momentos de lazer e muitos amigos, eu era focada nos estudos e no trabalho, pois sabia que esse era o caminho para mudar de vida. Estudei, me formei e, rapidamente, consegui uma boa profissão. Logo pude alugar uma casa e morar sozinha. Foi o que fiz aos 21 anos.
Mudei-me para um bairro mais afastado, longe da periferia, e comecei uma nova vida. Larissa, minha irmã mais velha, estava prestes a se casar, e Otávia, a mais nova, ainda vivia sob os cuidados de nossos pais. Por mais que eu mostrasse a ela um mundo diferente, Otávia preferia a segurança da casa dos nossos pais.
O tempo foi passando, e eu raramente os visitava. Sentia saudades das minhas irmãs, mas não tinha vontade de ver meu pai. Não conseguia criar um laço de afeto com ele; só tinha lembranças negativas. A imagem que guardava dele era a de um pai severo, e, em meu coração, havia um ressentimento profundo.
Quando completei 30 anos, conheci um rapaz que despertou meu interesse. Ele era lindo, educado e sonhador. Namoramos e, dois anos depois, nos casamos. Meus pais só o conheceram no dia do casamento.
Meu pai estava lá. Fazia mais de dez anos que eu não o via. Ele estava velho, franzino e com um olhar apagado, sem o ímpeto de antes. Notei que algo havia mudado, mas não dei muita atenção. Ele entrou comigo na igreja, mas com o semblante fechado, sem sorriso ou palavras — estava ali apenas para cumprir um protocolo. Imagino que minha mãe tenha insistido muito para que ele desempenhasse o papel de pai naquele momento tão importante para mim.
Tudo ocorreu bem na cerimônia e na festa. Ele foi embora cedo, e mais alguns anos se passaram sem nos vermos. Minha mãe, ocasionalmente, me visitava, e aos poucos fomos nos reconectando. Já com 40 anos e dois filhos, recebi a notícia de que meu pai, agora com 72, estava doente.
Minha mãe me visitou um dia e, muito abalada, contou que ele havia descoberto um tumor na próstata. Os exames indicavam que a doença estava em estado avançado e que ele precisaria de cirurgia e tratamento.
Ouvi tudo atentamente, pois minha mãe estava muito abalada, mas, dentro de mim, não senti compaixão. Em meus pensamentos, a ideia que se repetia era: “Ele está colhendo o que plantou.” Embora eu soubesse que era um julgamento duro e injusto, essa era minha verdade.
O tempo passava, e eu tomava conhecimento do estado de meu pai pelas visitas de minha mãe e pelas atualizações de minhas irmãs. Elas me incentivavam a visitá-lo, mas eu não sentia vontade. Ele foi piorando, e, cinco anos depois, a doença se espalhou, levando-o a definhar até a morte. Minha mãe e minhas irmãs pediram várias vezes que eu o visitasse no hospital. Prometi a elas que iria, mas nunca cumpri.
No dia do velório, fui, mesmo contra a vontade, apenas para cumprir um protocolo, como ele fizera no meu casamento. Cheguei quando o tempo de velório já estava quase no fim. Caminhei pelo local, cumprimentando pessoas que não via há anos, sentindo que todos observavam minhas reações.
Na sala do velório, minha mãe e minhas irmãs estavam ao redor do corpo, chorando e lamentando. Entrei com frieza, tentando evitar olhar para ele. Quando abracei minha mãe, ela sussurrou em lágrimas: “Ele esperou tanto a sua visita, suportou enquanto pôde, na esperança de te ver pela última vez.”
Essas palavras mexeram comigo, e senti lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Me aproximei dele pela primeira vez. Não era o mesmo homem. Seu corpo estava magro e frágil, marcado pela doença e pelo sofrimento. Diante de mim, não estava mais o pai severo que eu conhecia, mas um homem transformado pela vida dura e pelo peso dos anos. Aquele momento tocou algo profundo em mim, e eu me vi confrontada com sentimentos que não esperava.
Com o tempo, refletindo sobre nosso relacionamento, percebi que ele sempre lutou pelo que acreditava, e, de certa forma, eu fazia o mesmo. Nossa personalidade era semelhante, mas, enquanto ele era pai, eu era filha. Em silêncio, me sentei ao lado de minha mãe e fiquei lá até o final.
De volta para casa, conversando com meu marido, narrei tudo o que aconteceu no velório. Pela primeira vez, consegui olhar para meu pai de uma forma diferente. Comecei a entender que ele sempre fez o melhor que podia. Embora tivéssemos conflitos, percebi que ele queria o meu bem, à sua maneira. Minha mãe e minhas irmãs sempre tentaram me mostrar esse lado dele, mas eu nunca quis ouvir.
Passei a dividir a culpa pelo afastamento. Com o tempo, a compreensão me trouxe uma dor profunda. Questionei-me sobre por que não havia percebido isso antes. Sentia uma culpa dilacerante, pois percebi que, ao negar o afeto dele, também neguei a oportunidade de meus filhos conhecerem o avô. Impedi uma relação que poderia ter sido significativa.
Anos depois, quando eu já era avó, fui diagnosticada com uma doença avançada. Após um longo período de dor e sofrimento, deixei a vida física.
Ao desencarnar, despertei em um lugar estranho, sombrio e gelado, repleto de lamentos e gritos. Era um cenário de sofrimento interminável. Refleti sobre as razões que me levaram até ali e ouvi, em minha mente, as palavras que disse a minha mãe sobre meu pai: “Ele está colhendo o que plantou.” Curiosamente, era essa mesma frase que me condenava agora. A culpa e o arrependimento tomaram conta de mim, e, por muito tempo, chorei amargamente.
Clamei a Deus por uma nova chance de redenção, para fazer diferente. Após um tempo, minha mãe apareceu em uma luz intensa, que me ofuscou. Quando meus olhos se ajustaram, vi que era ela, radiante e sorridente. Ela segurou minhas mãos e me pediu que a seguisse. Eu estava muito fraca, mas me deixei levar. Ela me pegou no colo e me resgatou daquele lugar.
Despertei em uma espécie de quarto, decorado com flores e quadros religiosos. Em um dos quadros, vi a imagem de Jesus, diferente da que conhecemos, mas com o mesmo olhar sereno. Em uma poltrona do outro lado do quarto estava minha mãe, observando-me atentamente, esperando que eu despertasse e assimilasse aquele ambiente. Eu a olhava e percebia que, agora, ela parecia mais jovem que eu. Eu me sentia desgastada, ainda carregando as dores da doença que pôs fim à minha vida física.
Fui muito bem tratada naquele lugar, recebendo cuidado e atenção que nunca imaginaria. Todos eram extremamente carinhosos, e minha mãe nunca saiu do meu lado. Dias depois, quando minha saúde espiritual estava melhor, percebi que ela sondava meus pensamentos. Eu queria saber sobre meu pai, mas meu orgulho e vaidade não me permitiam perguntar.
Certa tarde, ela se levantou, veio até mim e segurou minha mão, perguntando como eu estava. Respondi que estava bem melhor e sem dores, com vontade de andar um pouco. Ela sorriu, ajudou-me a levantar e me levou até a janela. Lá fora, vi um lindo jardim, vibrante e colorido. As cores eram vivas e intensas, e o céu tinha uma beleza única.
Eu pedi para passear no jardim, e ela, após pedir autorização, me acompanhou. Caminhamos devagar, e eu me sentei em um banco, em silêncio, observando a paisagem e refletindo sobre minha nova realidade.
Após algum tempo de conversa sobre nossa vida na Terra e a nova vida espiritual, minha mãe, percebendo minha curiosidade não expressada, perguntou se eu não estava interessada em saber sobre meu pai. Senti um aperto no coração, mas permaneci em silêncio, embora estivesse ansiosa para perguntar sobre ele.
Ela me olhou com carinho e disse, suavemente: “Ele está aqui e veio te ver.” Meu coração acelerou; eu ainda podia sentir essas emoções, mesmo após a morte. Logo percebi uma figura caminhando em minha direção, mas hesitei em olhar.
Quando ele se aproximou, ouvi sua voz dizer: “Oi, minha filha.” No instante em que ouvi suas palavras, meus olhos se encheram de lágrimas. Antes mesmo de responder, levantei-me e o abracei com força. O reencontro foi indescritível; era como se todo o rancor se dissolvesse naquele momento.
Abraçados, eu disse: “Me perdoe, pai. Hoje, entendo que você fez o melhor e sempre quis o meu bem. Na época, eu não compreendia, e por isso te julguei tão duramente. Não fui justa com você, nem uma boa filha.”
Ele afastou-se um pouco, segurou meu rosto entre as mãos, olhou nos meus olhos e respondeu: “Não se preocupe, minha filha. Não tenho nada para perdoar. Eu sempre te amei e sempre tive orgulho da mulher que você se tornou. Fiz o que achava certo, e sei que isso foi duro para você, mas eu apenas queria o seu bem. Agora, minha filha, vamos seguir em frente. A vida continua e, aqui, temos a chance de recomeçar. Permita-me ser seu pai novamente.”
Seus olhos brilhavam, e ele estava emocionado. Minha mãe chorava ao nosso lado. Nos abraçamos os três, e, dali em diante, começamos uma nova fase, onde tudo era diferente, com compreensão e carinho.
O sofrimento me ensinou que precisamos enxergar o lado bom das pessoas e valorizar o esforço daqueles que tentam nos guiar. Muitas vezes, entramos em conflito com nossos pais e irmãos porque queremos viver nossa própria vida ou porque idealizamos que eles deveriam ser diferentes. Aprendemos a valorizar os defeitos e a nos vitimizar nos conflitos, esquecendo que ninguém está sempre certo ou sempre errado.
Hoje, entendo que cada um de nós nasce na família que precisa, e cada pessoa que convive conosco tem um papel fundamental. Os pais, especialmente, pavimentam o caminho para que possamos trilhar. Eles tiveram sua própria infância e receberam uma educação diferente. O que aprenderam e suportaram é o que tentam nos ensinar, com as ferramentas que possuem.
Se você espera que seu pai ou sua mãe sejam como os pais dos seus amigos, está comparando o incomparável. Cada ser humano é único, com uma história própria. Eles fazem o melhor com o que sabem, mesmo que isso não seja claro no início.
Seja um filho ou uma filha diferente. Valorize seus pais enquanto há tempo. Aproveite-se das experiências deles e permita que contem suas histórias, pois nelas há sempre algo a aprender. “Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça”, como ensinou Jesus. Se abrirmos o coração, absorveremos a sabedoria dos mais velhos e poderemos construir um futuro ainda melhor.
Peça perdão. Vá e reconcilie-se com seus pais enquanto há tempo. Você precisa deles, assim como eles precisam de você. Qualquer pensamento contrário a isso é uma ilusão criada pelo ego.
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